
Em Legítima Suspeição, Repeli, Rejeitai, Podai Sem Piedade, por Orson Carrara
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O médium Calixto iniciou a tarefa com verdadeira compreensão da
responsabilidade que lhe competia. Criatura simples e de coração voltado para o
dever, recebia as páginas dos mensageiros espirituais com a infantilidade do
menino de boa índole que recebe um recado para transmitir, obediente e humilde.
Vestia-se probremente e, nos pés, não exibia outro calçado que não fossem
tamancos rústicos.
Recebendo-lhe, contudo, os trabalhos que psicografava, a maioria dos entendidos
proclamava sem rebuços:
- É um ignorantão! Não conjuga cinco palavras com acerto. Puro jogral de
espertalhões do mundo livresco, a serviço de fanáticos do espiritismo.
Humilhado pelos repetidos insultos, Calixto mobilizou as próprias necessidades,
de modo a diminuir os sarcasmos que, a propósito dele, se atiravam à Consoladora
Doutrina de que se fizera pregoeiro.
Trajou-se com mais apuro e queimou as pestanas, estudando a gramática. Sabia
agora conversar com relativa elegância e expor os princípios que os Espíritos
Superiores lhe ditavam, com facilidade e clareza.
Todavia, logo se lhe percebeu a modificação, o parecer público enunciou, solene:
- Vejam só! É um homem genial. Produz em plano superior, através da própria
inteligência. Quem revela, assim, tamanha cultura, escreverá com mais
propriedade que os literatos mortos...
E os investigadores atilados concluíam, rematando:
- Embuste, pastiche e mais nada.
O rapaz, embora surpreendido, continuou a tarefa. Evitou a multidão e fugiu as
manifestações de público. Não seria mais justo recolher as bênçãos, na
intimidade dos irmãos? Confinou-se ao campo doméstico dos princípios redentores
que abraçara. Contudo, ainda aí, a censura vigorou, subtil e contundente.
Se Calixto recebia mensagens, relacionando verdades duras, apontavam-no, sem
piedade:
- É um mistificador, obsediado pela mania de grandeza e virtude.
Claro que os emissários da Esfera Superior não menoscabam o poder da gentileza e
ninguém por haver transposto as fronteiras da morte encontra alegria em acusar
os semelhantes, mas se um amigo espiritual temperava os conceitos em sal de
estímulo, buscando o soerguimento dos companheiros encarnados, indicavam-no, com
acrimoniosa atitude:
- É um bajulador infeliz que se demora sob a influência de perversos doadores de
lisonja.
Sob perplexidades consecutivas, o médium satisfazia as exigências do ministério,
no entanto, era preciso interromper-se a cada passo para destrinçar enigmas
pequeninos.
Se os viajores do Reino da Morte vinham falar da majestade do Céu, o
intermediário era apontado por instigador da fantasia; se comentavam problemas
da Terra, era definido à conta de cretino.
Jornalistas e escritores "mortos" utilizavam-lhe as faculdades a se fazerem
sentir claramente, entretanto, as respectivas famílias, receiando-lhes a
intromissão, ameaçavam o medianeiro, através de processos espetaculosos e
humilhantes. Citado nos órgãos judiciários por miserável impostor, Calixto
recolhia-se em prece, suplicando aos missionários invisíveis providências contra
a perturbação estabelecida, mas enquanto os Espíritos Benevolentes adotavam
pseudônimo, a fim de lançarem idéias renovadoras, com a facilidade possível, os
companheiros de fé observavam-lhe, risonhos e irônicos:
- Onde iremos? Os "mortos" também usam máscara?
O confundido trabalhador era objeto de geral exame, dia e noite. O zelo com que
atendia ao serviço pela própria manutenção era interpretado por excessiva defesa
da vida material, mas se era encontrado fora da atividade comum por algumas
horas, era categorizado por garimpeiro de vantagens especiais.
Tentava isolar-se por desincumbir-se das obrigações com mais segurança e
eficiência, no entanto, era apontado, de imediato, por orgulhoso e frio, ante os
sofrimentos alheios. Calixto passava, então, a comunicar-se com todos,
entretanto, suas palavras convertiam-se em objeto de exploração aviltante e
escandalosa.
Discutido, atormentado, fustigado e seguido pela crítica incessante, através de
todas as maneiras pelas quais procurava solucionar os compromissos a que se
devotara, chegou o dia em que se deitou desanimado, à maneira do burro que
arreia sob a carga pesada.
Não seria razoável parar? Como seguir adiante?
Foi então que lobrigou, de olhos nublados de lágrimas, a presença de um
mensageiro divino. Endereçou-lhe sentida súplica, mas notou assombrado que o
emissário se mantinha sorridente ao ouvi-lo.
Finda a rogativa, entrecortada de soluços, o anunciador das Boas Novas
Celestiais falou-lhe, bem-humorado:
- Calixto, levante-se e não se aflija! Banhe-se uma vez por dia, tome refeições
regulares e faça o que puder. O Senhor não exige o impossível. Habitue-se a
auxiliar por amor ao bem, contando com a incompreensão natural do mundo. A
calúnia não piora ninguém, tanto quanto a bajulação não nos aperfeiçoa qualidade
alguma. Quanto ao mais, meu amigo — e, nesse ponto, o mensageiro riu-se
francamente — se Jesus retirou-se do mundo pelas portas sangrentas do sacrifício
na cruz, será mesmo que você pretende ausentar-se da Terra nas fofas almofadas
dum automóvel?
Com a interrogação, interrompeu-se a singular entrevista e Calixto, copiando os
movimentos de uma muar resignado, ergueu-se de novo, e retomou o passo para o
que desse e viesse.
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