Reencarnação e Embriões Criopreservados: Uma Perspectiva à Luz da Doutrina Espírita
I INTRODUÇÃO
O processo de reencarnação de um Espírito, ou a sua ligação ao novo corpo carnal
que habitará, tem sido objeto de numerosos estudos no âmbito da Doutrina
Espírita. Allan KARDEC (2013) abordou a questão da encarnação dos Espíritos em
suas obras, e em A Gênese (cap. XI, item 17), aduz que:
Pela sua essência espiritual, o Espírito é um ser indefinido, abstrato, que não
pode ter ação direta sobre a matéria, sendo-lhe indispensável um intermediário,
que é o envoltório fluídico, o qual, de certo modo, faz parte integrante dele. É
semimaterial esse envoltório, isto é, pertence à matéria pela sua origem e à
espiritualidade pela sua natureza etérea.
O Espírito não possui capacidade de interagir direta- mente com a matéria densa
sem o seu envoltório material, ou perispírito, sendo este que se liga ao corpo
carnal no processo de encarnação, por meio de fios fluídicos, constituindo o
traço de união entre o Espírito e a matéria, conforme cap. XI, item 18 de A
Gênese:
18. Quando o Espírito tem de encarnar num corpo humano em vias de formação, um
laço fluídico, que
mais não é do que uma expansão do seu perispírito, o liga ao gérmen que o atrai
por uma força irresistível, desde o momento da concepção. À medida que o gérmen
se desenvolve, o laço se encurta. Sob a influência do princípio vital e material
do gérmen, o perispírito, que possui certas propriedades da matéria, se une,
molécula a molécula, ao corpo em formação, donde o poder dizer-se que o
Espírito, por intermédio do seu perispírito, se enraíza, de certa maneira, nesse
gérmen, como uma planta na terra. (Grifos meus).
Com o avanço dos conhecimentos e técnicas científicas na área da reprodução
humana assistida, muito se tem conquistado em relação à superação da
infertilidade de homens e mulheres, por meio da técnica de fertilização in
vitro – também conhecida como FIV, que consiste, em suma, proporcionar, em
laboratório, condições específicas determinadas para a fecundação do óvulo pelo
espermatozoide em ambiente externo ao corpo da mulher (CORRÊA & LOYOLA, 2015).
De acordo com ROCHA et al. (2022), os ovários são estimulados por uma combinação
de medicamentos para fertilidade, os oóci- tos1 são aspirados dos folículos
ovarianos e encaminha- dos para a fertilização2. Uma vez formado o zigoto ou
célula ovo3, esses são postos em condições ótimas de cultivo para continuarem a
divisão celular até a formação do embrião (entre 8 e 32 células). Tendo sido
realizada essa etapa, há a possibilidade de implante do referido embrião no
útero da mulher com o fim de se desenvolver em feto, ou ser submetido à
criopreservação, ou seja, o congelamento utilizando nitrogênio líquido (-196 oC).
Em vista disso, muito se tem questionado em relação aos Espíritos que encarnam
tomando corpos gerados por embriões que permaneceram congelados, por até
décadas, conforme se observa de algumas publicações realizadas por estudiosos da
Doutrina Espírita (ROSSIT, 2017; NUNES FILHO, 2021; LOURENÇO, 2012). Estariam
estes Espíritos ligados às primeiras células desde a fecundação? Poderiam se
ligar após a fecundação ou mesmo após o descongelamento, no momento do implante
do embrião no útero? Esses Espíritos ligados à embriões congelados sofrem
perturbação ou tem as suas faculdades afetadas pela matéria? Permanecem inativos
por conta do congelamento dos embriões aos quais se ligaram?
Essas são algumas das questões que se pretende elucidar neste trabalho com base
em premissas e fundamentos coerentes com a Doutrina Espírita, buscando
compreender melhor o que esta última pode dizer sobre os processos de
reencarnação de um Espírito que se submete à Fecundação in vitro (FIV).
Nosso objetivo no presente trabalho é desenvolver uma linha de raciocínio
totalmente fundamentada e coerente com Kardec, sobre a possível autonomia de um
Espírito reencarnante ligado a embriões criopreservados.
II ASPECTOS GERAIS DO PROCESSO DE LI- GAÇÃO DO ESPÍRITO AO NOVO CORPO
No âmbito do Movimento Espírita muito se tem especulado sobre as condições dos
Espíritos que se ligaram (ou não) a embriões congelados. Ocorre que não há trabalhos de pesquisa espíritas suficientes para se compreender mais
profundamente o assunto, embora seja possível encontrar sítios eletrônicos
publicando opiniões diversas sobre o tema4.
É sabido que KARDEC (2004) abordou o tema da fecundação na questão 344 de O
Livro dos Espíritos:
344. Em que momento a alma se une ao corpo?
“A união começa na concepção5, mas só é completa por ocasião do nascimento.
Desde o instante da concepção, o Espírito designado para habitar certo corpo a
este se liga por um laço fluídico, que cada vez mais se vai apertando até ao
instante em que a criança vê a luz. O grito, que o recém-nascido solta, anuncia
que ela se conta no número dos vivos e dos servos de Deus.”
É possível observar na resposta dada pelos Espíritos que o Espírito designado
para habitar certo corpo começa seu processo de ligação de seu perispírito no
momento da fecundação do óvulo pelo espermatozoide, por meio de laços fluídicos
perispirituais. Apontam os Espíritos que o “laço fluídico” vai se “apertando”,
ou seja, ligando-se, gradativamente, supondo-se ser célula a célula, diante das
sucessivas divisões celulares que proporcionam o desenvolvimento do embrião,
até chegar a feto6, e posterior- mente, se completar com o nascimento.
É oportuno aqui citar DA FONSECA (2023) que aduz que:
Os fluidos espirituais, portanto, estão sempre presentes nos “fenômenos
particulares do mundo invisível” e, por conseguinte, em todas as “manifestações
espirituais”, entendendo estas últimas como sendo todos os fenômenos cuja
origem ou causa sejam os seres do mundo espiritual.”
Isso, pois, importa esclarecer que a reencarnação de um Espírito não deixa de
ser uma “manifestação espiritual” no mundo material, e ela só é possível devido
a ação dos fluidos na matéria orgânica, especificamente os fluidos que compõem o
perispírito.
Diante da relevância do assunto e da falta de condições de se criar um
ambiente propício para o desenvolvimento de experimentos científicos com a
participação de Espíritos que possam contribuir com a sua elucidação, passando
pelo Controle Universal do Ensino dos Es- píritos7 (CUEE), é imprescindível
situá-lo com base em premissas bem fundamentadas nos princípios kardequianos
por serem, até o momento, a única base doutrinária/espírita obtida
originalmente por Kardec através de métodos como o acima citado.
Ante a resposta dada pelos Espíritos na questão 344 de O Livro dos Espíritos,
adotaremos como primeira premissa doutrinária, que embasará nosso trabalho, o
fato de o Espírito somente se ligar à matéria no momento da fecundação. Isso não
quer dizer que em toda fecundação ocorre ligação de Espíritos8, mas toda ligação
de Espíritos reencarnantes à matéria celular ocorre no momento da fecundação.
Essa primeira premissa doutrinária derruba qualquer outra ideia que afirme
sobre a possibilidade de o Espírito se ligar ao corpo após a fecundação, por
exemplo, em estágio de mórula9 ou blastocisto. Dessa forma, o contexto
apresentado do momento da ligação do Espírito ao novo corpo em formação fica
esclarecido de acordo com o que apontou Allan Kardec.
III DA PERTURBAÇÃO DO ESPÍRITO REEN- CARNANTE JÁ LIGADO À MATÉRIA
Diante do avanço das técnicas de reprodução humana assistida, quando se
desenvolvem embriões in vitro, com a possibilidade de criopreservação para
posterior implante no útero, surgem indagações sobre as condições do Espírito reencarnante diante de seu novo corpo em formação, ainda que congelado.
Nesse passo, Allan Kardec questionou os Espíritos so- bre a possibilidade que os
Espíritos reencarnantes possuem em deterem as suas faculdades, já ligados ao
corpo em formação, conforme a questão 351 de O Livro dos Espíritos:
351. No intervalo que medeia da concepção ao nascimento, goza o Espírito de
todas as suas faculdades?
“Mais ou menos, conforme o ponto, em que se ache, dessa fase, porquanto ainda
não está encarnado, mas apenas ligado. A partir do instante da concepção, começa o Espírito a ser tomado de perturbação, que o adverte de que lhe soou o
momento de começar nova existência corpórea. Essa perturbação cresce de contínuo até ao nascimento. Nesse intervalo, seu estado é quase idêntico ao de um
Espírito encarnado durante o sono. À medida que a hora do nascimento se aproxima, suas idéias se apagam, assim como a lembrança do passado, do qual deixa de
ter consciência na condição de homem, logo que entra na vida. Essa lembrança,
porém, lhe volta pouco a pouco ao retornar ao estado de Espírito.”
Corroborando com as respostas encaminhadas pelos Espíritos ao professor Allan
Kardec, podemos observar a mesma linha de ideia expressada no capítulo 13 da
obra Missionários da Luz (XAVIER, 1995), quando o instrutor Alexandre afirma
que o processo de reencarnação é relativo ao grau de adiantamento de cada
espírito:
O que vimos, porém, com Segismundo – perguntei – é regra geral para todos os
casos? – De modo algum – respondeu o instrutor, atencioso –. Os processos de
reencarnação, tanto quanto os da morte física, dife- rem ao infinito, não
existindo, segundo cremos, dois absolutamente iguais. As facilidades e
obstáculos es- tão subordinados a fatores numerosos, muitas vezes relativos ao
estado consciencial dos próprios interessados no regresso à Crosta ou na
libertação dos veículos carnais. Há companheiros de grande elevação que, ao
voltarem à esfera mais densa em apostolado de ser- viço e iluminação, quase
dispensam o nosso concurso. Outros irmãos nossos, contudo, procedentes de zonas
inferiores, necessitam de cooperação muito mais complexa que a exercida no
caso de Segismundo.
Cumpre destacar que a orientação trazida pelo instrutor Alexandre, também tem
como base que a sustenta o princípio básico da qualidade dos fluidos, que está
sempre relacionada com o grau de adiantamento moral do Espírito. Esse tema é
debatido na obra A Gênese, de Allan Kardec (cap. XIV, item 9):
9. A natureza do envoltório fluídico está sempre em relação com o grau de
adiantamento moral do Espírito. Os Espíritos inferiores não podem mudar de
envoltório a seu bel-prazer, pelo que não podem passar, à vontade, de um mundo
para outro. Alguns há, portanto, cujo envoltório fluídico, se bem que etéreo e
imponderável com relação à matéria tangível, ainda é por demais pesado, se assim
nos podemos exprimir, com relação ao mundo espiritual, para não permitir que
eles saiam do meio que lhes é próprio. Nessa categoria se devem incluir aqueles
cujo perispírito é tão grosseiro, que eles o confundem com o corpo carnal,
razão por que continuam a crer-se vivos. Esses Espíritos, cujo número é
avultado, permanecem na superfície da Terra, como os encarnados, julgando- se
entregues às suas ocupações terrenas. Outros um pouco mais desmaterializados não
o são, contudo, suficientemente, para se elevarem acima das regiões terrestres.
Esclarecidos, previamente, alguns pontos importantes para a análise do caso,
passamos a adotar a segunda premissa doutrinária, embasada pela questão 351 de O
Livro dos Espíritos, que aduz que a perturbação do Espírito é relativa ao
ponto de desenvolvimento do embrião. Se “...a partir do instante da concepção,
começa o Espírito a ser tomado de perturbação, que o adverte de que lhe soou o
momento de começar nova existência corpórea...” e essa perturbação só aumenta
conforme os laços fluídicos do perispírito vão se firmando nas novas células do
embrião/feto (o que depende da fase da gestação), compreende-se, portanto, que o
Espírito reencarnante goza de suas faculdades de forma relativa, de acordo com a
fase do desenvolvimento embrionário.
Com base no trecho da resposta da questão 344, que
o laço fluídico vai se apertando com o desenvolvimento do embrião, é possível
observar que quanto menos células no embrião/feto, menor seria a perturbação do
Espírito,
o que poderia contribuir para a manutenção de suas capacidades espirituais,
até certo ponto da gestação. Na sequência das divisões celulares, os laços
fluídicos vão se consolidando, uma vez que o número de células também aumentam,
ao passo que a influência da matéria no Espírito também vai se intensificando,
bem como a perturbação do Espírito seguida de uma possível perda gradativa das
suas faculdades espirituais.
Nessa toada, importa destacar as considerações apresentadas por DA FONSECA & VANNUCI (2005), que alegam:
Dependendo de seu estágio evolutivo, ele pode se deslocar para longe do seu
embrião, estudar e trabalhar no Plano Espiritual, da mesma forma como um encarnado durante o sono. Como a fase embrionária é mais próxima do momento da
concepção do que do nascimento, a perturbação tende a ser pequena, podendo o
Espírito gozar de mais liberdade quanto ao uso de suas faculdades.
III.1 Dos embriões criopreservados
Adotadas essas duas premissas com bases doutrinárias, passamos a discorrer
sobre os embriões que foram gerados in vitro e encaminhados para a
criopreservação. Um corolário direto da primeira premissa é que se um embrião
gerado in vitro possui um Espírito ligado, conclui-se, com base na resposta dada
a questão 344 de O Livro dos Espíritos que a sua ligação ocorreu no momento da
fecundação. Os embriões que são encaminhados para a criopreservação já se
encontram em estágio de blastocisto (5 a 7 dias após a fecundação) e possuem,
variavelmente,
entre 120 e 200 células10 (GARDNER & LANE, 2019).
Nesse ponto, adotaremos a premissa de que o Espírito reecarnante está ligado a
aproximadamente 200 células que se encontram criopreservadas à temperatura de
-196 oC (congeladas), “sofrendo” a influência dessa quantidade diminuta de
matéria. Como aponta a segunda premissa, a perturbação aumenta de acordo com a quantidade de células a qual o Espírito está ligado. No entanto, não há como
afirmar com certeza, se 200 células seriam suficientes para causar uma
perturbação significativa em um Espírito reencarnante. Embora essa influência
possa variar de Espírito para Espírito, se considerarmos que um bebê tenha, por
baixo, da ordem de 1 trilhão de células (uma criança de 10 anos de idade possui
17 trilhões de células (HATTON et al., 2023)), podemos inferir o quão ínfima é a
quantidade de matéria em um embrião e considerar que, salvo casos
particulares, um Espírito recém ligado a um embrião contendo aproximadamente 200
células, certamente está em um estágio bem próximo da menor perturbação
espiritual possível.
A literatura científica registra casos de embriões que permaneceram congelados
por períodos extraordinariamente longos, ainda assim resultando em nascimentos
bem-sucedidos. Um exemplo notável é o de um embrião que foi criopreservado por
20 anos e culminou no nascimento de um bebê saudável (GARDNER & LANE, 2019).
Esses dados fornecem uma base importante para refletir, à luz da Doutrina
Espírita, sobre a interação do Espírito reencarnante com um corpo submetido a
tais condições extremas.
DA FONSECA & VANNUCI (2005), citando REVEL
et al. (2004), apontam um caso de congelamento de embrião por 12 anos que,
após a implantação intrauterina, resultou em nativivo. Alegam, ainda, que o
Espírito reencarnante ligado a embriões congelados por períodos prolongados
pode gozar de maior liberdade de ação espiritual em virtude do estágio
embrionário inicial, que oferece uma ligação fluídica ainda incipiente.
Estes dois últimos fatos sugerem que a criopreservação prolongada preserva
essa liberdade, mantendo ao mínimo a perturbação do Espírito através da
manutenção
do embrião com o mesmo número de células (efeito di- reto do congelamento). Pelo
menos, isso ocorre até a retomada do desenvolvimento biológico do embrião por
ocasião de sua implantação no útero de uma mulher.
Adicionalmente, pode-se inferir diretamente desses mesmos princípios
doutrinários que embriões com comprometimentos biológicos podem impor desafios
à continuidade da ligação do Espírito, intensificando as dificuldades no
processo reencarnatório. Tais perturba- ções decorrem tanto das condições
adversas do corpo físico em formação quanto da interação direta entre Espírito e matéria, uma vez que a ligação perispiritual também pode ser afetada
pelas condições biológicas do embrião, para o caso em tela, criopreservados.
Nestes casos, não se configura aborto pois que ainda há limitações no processo
de congelamento e descongelamento do embrião que podem afetar sua estrutura (VEECK
et al., 2004).
SIMONETTI (2001), na obra Reencarnação – Tudo o que você precisa saber, mais
especificamente no item “Inseminação artificial”, apresenta pontos de convergência e divergência com as premissas doutrinárias. Dentre as convergências
relevantes observa-se a valorização da inseminação artificial ou a adoção de
técnicas científicas que contribuam com a reprodução humana como ferra- menta da
misericórdia divina, permitindo que Espíritos resgatem compromissos por meio da
maternidade e da paternidade. Essa visão está alinhada com os princípios de
justiça e oportunidade contínua para a evolução espiritual, como apresentado
por Kardec na questão 171 de O Livro dos Espíritos, que se refere ao princípio
das reencarnações sucessivas como um mecanismo justo de progresso, que permite
ao Espírito aprimorar-se continuamente e reparar erros de vidas passadas.
Por outro lado, ainda no mesmo tópico da referida obra de SIMONETTI, existem
contradições claras em relação ao corpo doutrinário quanto ao momento da ligação do Espírito ao corpo. Enquanto na questão 344 de O Livro dos Espíritos, os
Espíritos ensinam que a ligação do Espírito reencarnante ocorre no momento da
fecunda- ção do óvulo pelo espermatozoide, SIMONETTI sugere maior flexibilidade,
atribuindo aos mentores espirituais a capacidade de adaptar o planejamento
reencarnatório mesmo em situações não previstas nas obras de Allan Kardec.
Esses pontos destacam que a reencarnação não é apenas um mecanismo automático,
mas está intrinsecamente ligada ao princípio de justiça divina, oferecendo condições para que os Espíritos progridam moral e intelectualmente, inclusive em
contextos científicos contemporâneos, como os métodos de fertilização
assistida.
Assim, os dados científicos sobre criopreservação de longo prazo não apenas
evidenciam os riscos biológicos associados ao procedimento, mas também reforçam
a necessidade de refletir sobre os possíveis efeitos espirituais no Espírito
reencarnante. Este cenário destaca a relevância de integrar ciência e
Espiritismo para compreender as complexidades envolvidas no processo de
reencarnação e nos desafios que surgem em embriões criopreservados.
III.2 Dos embriões criopreservados que não se desenvolvem
Outro ponto importante a ser abordado refere-se aos embriões que não se
desenvolvem diante da realização do procedimento de FIV, cujas causas podem
variar de acordo com diversas condições, tanto do próprio Espírito reencarnante
quanto das condições físicas do embrião em si e da futura gestante, passando
desde problemas endócrinos, a anatômicos e fisiológicos.
Nesse sentido, considerando as condições ótimas de uma mulher saudável do ponto
de vista reprodutivo, podemos mencionar as seguintes causas para um embrião
congelado não concretizar a nidação:
i) embriões que nunca tiveram um Espírito ligado;
ii) embriões que tiveram um Espírito ligado, porém, foram desligados por vontade
do Espírito reencarnante antes de serem implantados no útero;
iii) embriões que tiveram um Espírito ligado (e se mantiveram ligados), mas
não vingaram por condições impeditivas da mãe (possivelmente envolvendo
questões de provação da mãe e do Espírito).
Diante dessas importantes questões, cumpre relembrar a questão 345 de O Livro
dos Espíritos, que trata da ligação definitiva do Espírito com o corpo desde o
momento da fecundação:
345. É definitiva a união do Espírito com o corpo desde o momento da concepção?
Durante esta primeira fase, poderia o Espírito renunciar a habitar o corpo que
lhe está destinado?
“É definitiva a união, no sentido de que outro Espírito não poderia substituir
o que está designado para aquele corpo. Mas, como os laços que ao corpo o
prendem são ainda muito fracos, facilmente se rompem e podem romper-se por
vontade do Espírito, se este recua diante da prova que escolheu. Em tal caso,
porém, a criança não vinga.”
Observa-se que os Espíritos apontam que uma vez o Espírito reencarnante ligado a
um corpo em formação (embrião/feto), outro não pode ali se ligar, bem como
apontam que os laços que ligam o Espírito reencarnante ao mencionado corpo em
formação, são muito frágeis e podem se romper por vontade do Espírito. Nesse
caso de eventual desligamento do Espírito reencarnante, ao se realizar o
descongelamento e o implante intrauterino, se faz apenas com células que não
possuem mais um Espírito ligado, podendo inviabilizar a gestação. Destaque para
a trecho “podendo inviabilizar”, pois em alguns casos a gestação ainda pode
seguir adiante, resultando em natimorto, conforme as questões 355 e 356 de O
Livro dos Espíritos:
355. Há, de fato, como o indica a Ciência, crianças que já no seio materno não
são vitais? Com que fim ocorre isso?
“Frequentemente isso se dá e Deus o permite como prova, quer para os pais do
nascituro, quer para o Espírito designado a tomar lugar entre os vivos.”
356. Entre os natimortos alguns haverá que não tenham sido destinados à
encarnação de Espíritos?
“Alguns há, efetivamente, a cujos corpos nunca nenhum Espírito esteve
destinado. Nada tinha que se efetuar para eles. Tais crianças então só vêm por
seus pais.”
a) — Pode chegar a termo de nascimento um ser dessa natureza?
“Algumas vezes; mas não vive.”
Como é possível observar das repostas dadas pelos Espíritos nas questões 355 e
356 de O Livro dos Espíritos, é possível que haja uma gestação sem qualquer
Espírito ligado ao corpo em formação, se tratando, contudo, apenas de fenômeno
biológico de desenvolvimento celular, que não chegará ao termo, não vingará pela
ausência de Espírito ligado às células.
Os estudos científicos sobre criopreservação de embriões fornecem dados que
corroboram a necessidade de considerar possíveis impactos espirituais e
materiais no Espírito reencarnante que se encontra ligado a esses embriões.
Apesar dos resultados e constatações supracitados, pesquisas como a de WANG et
al. (2024), indicam que períodos prolongados de criopreservação podem comprometer a viabilidade biológica dos embriões, resultando em redução das taxas
de gravidez clínica e de nascidos vivos, além de aumento dos riscos de aborto
espontâneo e gravidez ectópica. Essas evidências sugerem alterações moleculares
ou epigenéticas nos embriões, que podem afetar o desenvolvimento normal.
Sob a ótica da Doutrina Espírita, a ligação fluídica
entre o Espírito e o corpo inicia-se no momento da fecundação, conforme
descrito em O Livro dos Espíritos (ques- tões 344 e 351). Esse vínculo, que se
fortalece ao longo do desenvolvimento celular, é essencial para o processo de
reencarnação. Contudo, a Doutrina Espírita também esclarece que as condições
materiais do corpo influenciam diretamente o Espírito reencarnante, podendo
gerar per- turbações crescentes durante o período embrionário, conforme os
laços fluídicos se consolidam.
IV CONCLUSÕES
Em suma, a análise detalhada das premissas apresentadas à luz da Doutrina
Espírita proporciona uma com- preensão mais aprofundada do processo de
reencarnação e a sua relação com os embriões criopreservados. Partindo das
obras de Allan Kardec, foi possível estabelecer que a ligação do Espírito ao
novo corpo se dá no mo- mento da fecundação, através de laços fluídicos
perispirituais, que se consolidam, gradativamente, de acordo com o
desenvolvimento celular do embrião/feto.
No entanto, questionamentos como o de SIMONETTI (2001) seguidos de argumentos de
que a Doutrina Espírita não está finalizada ou de que “Kardec não disse tudo”
(veja-se um importante alerta de MILANI (2025) sobre isso), tem levado alguns
adeptos espíritas a ponderar a possibilidade de novas perspectivas em relação
ao momento de ligação do Espírito ao corpo. Embora as obras de Allan Kardec
apontem que essa ligação ocorre no momento da fecundação, é possível que futuras
revelações dos Espíritos, alinhadas aos avanços do conhecimento humano e
espiritual, ampliem o entendimento sobre o tema. Porém, nesse contexto, é
importante ressaltar que qualquer revisão ou aceitação de novas ideias deve
observar os critérios doutrinários estabelecidos pela própria Doutrina Espírita,
a saber: i) ser fundamentada no bom senso e na razão, e ii) passar pelo Controle
Universal do Ensino dos Espíritos (CUEE). Esses critérios garantem que as
mudanças de algumas ideias, em face ao desenvolvimento científico e tecnológico,
sejam conduzidas de forma segura e coerente, evitando conclusões precipitadas
ou desvios doutrinários.
Portanto, quaisquer diferentes perspectivas sobre o momento da ligação do
Espírito ao corpo, independente de sua própria lógica e sensatez, devem ser
tratadas como hipóteses, sujeitas a validação mediante os métodos recomendados
pela Doutrina Espírita. Essa abordagem evita preconceitos e promove um diálogo
aberto entre as diferentes interpretações, fortalecendo a relação entre a ciência e o Espiritismo.
Sabendo que existe uma progressiva perturbação do Espírito à medida que os laços
fluídicos se fortalecem durante o desenvolvimento embrionário, mostrei como
ponderar sobre o impacto dessa perturbação nos Espíritos ligados a embriões
criopreservados. Diante da variabilidade das condições espirituais e materiais
envolvidas no processo de congelamento de embriões, é difícil afirmar com
certeza sobre como cada um se comportará, se vai vingar ou não quando
implantando em um útero. Porém, a Doutrina Espírita esclarece acerca da ligação
definitiva do Espírito ao corpo desde a fecundação, possibilitando reflexões
sobre casos de embriões que não se desenvolvem ou que não possuem um Espírito
ligado.
Assim, este artigo reforça a necessidade de uma análise criteriosa e
fundamentada no que há de mais confiável em termos de conceitos espíritas, tal
seja, as obras fundamentais de Kardec, ao mesmo tempo que convida à reflexão
sobre as complexidades do processo reencarna- tório. O respeito aos princípios
doutrinários, aliado à busca por conhecimento atualizado, permite enriquecer a
compreensão e promover avanços no entendimento desse tema tão relevante.
Em última análise, essas reflexões não apenas ampliam nosso entendimento sobre
os processos de reencarnação, mas também nos convidam a contemplar a complexidade e a individualidade de cada experiência espiritual e biológica,
enriquecendo assim o diálogo entre a ciência e a espiritualidade.
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1 É o nome dado ao gameta feminino, também conhecido como óvulo, produzido nas
gônadas femininas (ovários), regulados pela ação de hormônios específicos.
2 Fertilização ou fecundação, basicamente é o encontro do óvulo com o
espermatozoide, que passa a interagir com a zona pelúcia ovular, buscando entrar
na célula reprodutiva feminina.
3 Célula-ovo ou zigoto: é a célula formada após a união do espermatozoide
(gameta masculino) com o ovócito (gameta feminino), que formará o embrião.
4 Por exemplo, veja os seguintes links: https://agendaespiritabrasil.com.br/2017/06/12/inseminacao-artificial-ha-espiritos-ligados-
aos-embrioes-descartados/; https://www.oconsolador.com.br/ano15/732/especial.html;
https://www.letraespirita.blog.br/single- post/embriões-congelados-na-perspectiva-espírita;
https://www.revistaautadesouza.com/index.php/2020/04/25/visao-espirita-sobre-
o-emprego-de-celulas-tronco/.
5 O termo “concepção” era o mais utilizado na época da publicação de O Livro dos
Espíritos, porém, atualmente utiliza-se “fecundação” ou “fertilização”, termos
que serão adotados nesta obra, conforme a ciência atual.
6 É considerado feto o estágio de desenvolvimento intrauterino que tem início
após nove semanas de vida embrionária.
7 O Evangelho Segundo o Espiritismo, Introdução, item II.
8 Questão 356 de O Livro dos Espíritos.
9 Mórula: primeiro estágio de divisão celular após a fecundação, com
aproximadamente 12 a 32 células. A mórula precede o blastocisto.
10 Vale lembrar que a quantidade de células pode variar ligeiramente dependendo
do embrião.
João Tozzi