Reencarnação e Embriões Criopreservados: Uma Perspectiva à Luz da Doutrina Espírita

I INTRODUÇÃO
O processo de reencarnação de um Espírito, ou a sua ligação ao novo corpo carnal que habitará, tem sido objeto de numerosos estudos no âmbito da Doutrina Espírita. Allan KARDEC (2013) abordou a questão da encarnação dos Espíritos em suas obras, e em A Gênese (cap. XI, item 17), aduz que:
Pela sua essência espiritual, o Espírito é um ser indefinido, abstrato, que não pode ter ação direta sobre a matéria, sendo-lhe indispensável um intermediário, que é o envoltório fluídico, o qual, de certo modo, faz parte integrante dele. É semimaterial esse envoltório, isto é, pertence à matéria pela sua origem e à espiritualidade pela sua natureza etérea.
O Espírito não possui capacidade de interagir direta- mente com a matéria densa sem o seu envoltório material, ou perispírito, sendo este que se liga ao corpo carnal no processo de encarnação, por meio de fios fluídicos, constituindo o traço de união entre o Espírito e a matéria, conforme cap. XI, item 18 de A Gênese:
18. Quando o Espírito tem de encarnar num corpo humano em vias de formação, um laço fluídico, que

mais não é do que uma expansão do seu perispírito, o liga ao gérmen que o atrai por uma força irresistível, desde o momento da concepção. À medida que o gérmen se desenvolve, o laço se encurta. Sob a influência do princípio vital e material do gérmen, o perispírito, que possui certas propriedades da matéria, se une, molécula a molécula, ao corpo em formação, donde o poder dizer-se que o Espírito, por intermédio do seu perispírito, se enraíza, de certa maneira, nesse gérmen, como uma planta na terra. (Grifos meus).

Com o avanço dos conhecimentos e técnicas científicas na área da reprodução humana assistida, muito se tem conquistado em relação à superação da infertilidade de homens e mulheres, por meio da técnica de fertilização in vitro – também conhecida como FIV, que consiste, em suma, proporcionar, em laboratório, condições específicas determinadas para a fecundação do óvulo pelo espermatozoide em ambiente externo ao corpo da mulher (CORRÊA & LOYOLA, 2015). De acordo com ROCHA et al. (2022), os ovários são estimulados por uma combinação de medicamentos para fertilidade, os oóci- tos1 são aspirados dos folículos ovarianos e encaminha- dos para a fertilização2. Uma vez formado o zigoto ou célula ovo3, esses são postos em condições ótimas de cultivo para continuarem a divisão celular até a formação do embrião (entre 8 e 32 células). Tendo sido realizada essa etapa, há a possibilidade de implante do referido embrião no útero da mulher com o fim de se desenvolver em feto, ou ser submetido à criopreservação, ou seja, o congelamento utilizando nitrogênio líquido (-196 oC).
Em vista disso, muito se tem questionado em relação aos Espíritos que encarnam tomando corpos gerados por embriões que permaneceram congelados, por até décadas, conforme se observa de algumas publicações realizadas por estudiosos da Doutrina Espírita (ROSSIT, 2017; NUNES FILHO, 2021; LOURENÇO, 2012). Estariam estes Espíritos ligados às primeiras células desde a fecundação? Poderiam se ligar após a fecundação ou mesmo após o descongelamento, no momento do implante do embrião no útero? Esses Espíritos ligados à embriões congelados sofrem perturbação ou tem as suas faculdades afetadas pela matéria? Permanecem inativos por conta do congelamento dos embriões aos quais se ligaram?
Essas são algumas das questões que se pretende elucidar neste trabalho com base em premissas e fundamentos coerentes com a Doutrina Espírita, buscando compreender melhor o que esta última pode dizer sobre os processos de reencarnação de um Espírito que se submete à Fecundação in vitro (FIV).
Nosso objetivo no presente trabalho é desenvolver uma linha de raciocínio totalmente fundamentada e coerente com Kardec, sobre a possível autonomia de um Espírito reencarnante ligado a embriões criopreservados.

II ASPECTOS GERAIS DO PROCESSO DE LI- GAÇÃO DO ESPÍRITO AO NOVO CORPO
No âmbito do Movimento Espírita muito se tem especulado sobre as condições dos Espíritos que se ligaram (ou não) a embriões congelados. Ocorre que não há trabalhos de pesquisa espíritas suficientes para se compreender mais profundamente o assunto, embora seja possível encontrar sítios eletrônicos publicando opiniões diversas sobre o tema4.
É sabido que KARDEC (2004) abordou o tema da fecundação na questão 344 de O Livro dos Espíritos:
344. Em que momento a alma se une ao corpo?
“A união começa na concepção5, mas só é completa por ocasião do nascimento. Desde o instante da concepção, o Espírito designado para habitar certo corpo a este se liga por um laço fluídico, que cada vez mais se vai apertando até ao instante em que a criança vê a luz. O grito, que o recém-nascido solta, anuncia que ela se conta no número dos vivos e dos servos de Deus.”
É possível observar na resposta dada pelos Espíritos que o Espírito designado para habitar certo corpo começa seu processo de ligação de seu perispírito no momento da fecundação do óvulo pelo espermatozoide, por meio de laços fluídicos perispirituais. Apontam os Espíritos que o “laço fluídico” vai se “apertando”, ou seja, ligando-se, gradativamente, supondo-se ser célula a célula, diante das sucessivas divisões celulares que proporcionam o desenvolvimento do embrião, até chegar a feto6, e posterior- mente, se completar com o nascimento.
É oportuno aqui citar DA FONSECA (2023) que aduz que:
Os fluidos espirituais, portanto, estão sempre presentes nos “fenômenos particulares do mundo invisível” e, por conseguinte, em todas as “manifestações espirituais”, entendendo estas últimas como sendo todos os fenômenos cuja origem ou causa sejam os seres do mundo espiritual.”
Isso, pois, importa esclarecer que a reencarnação de um Espírito não deixa de ser uma “manifestação espiritual” no mundo material, e ela só é possível devido a ação dos fluidos na matéria orgânica, especificamente os fluidos que compõem o perispírito.
Diante da relevância do assunto e da falta de condições de se criar um ambiente propício para o desenvolvimento de experimentos científicos com a participação de Espíritos que possam contribuir com a sua elucidação, passando pelo Controle Universal do Ensino dos Es- píritos7 (CUEE), é imprescindível situá-lo com base em premissas bem fundamentadas nos princípios kardequianos por serem, até o momento, a única base doutrinária/espírita obtida originalmente por Kardec através de métodos como o acima citado.
Ante a resposta dada pelos Espíritos na questão 344 de O Livro dos Espíritos, adotaremos como primeira premissa doutrinária, que embasará nosso trabalho, o fato de o Espírito somente se ligar à matéria no momento da fecundação. Isso não quer dizer que em toda fecundação ocorre ligação de Espíritos8, mas toda ligação de Espíritos reencarnantes à matéria celular ocorre no momento da fecundação. Essa primeira premissa doutrinária derruba qualquer outra ideia que afirme sobre a possibilidade de o Espírito se ligar ao corpo após a fecundação, por exemplo, em estágio de mórula9 ou blastocisto. Dessa forma, o contexto apresentado do momento da ligação do Espírito ao novo corpo em formação fica esclarecido de acordo com o que apontou Allan Kardec.

III DA PERTURBAÇÃO DO ESPÍRITO REEN- CARNANTE JÁ LIGADO À MATÉRIA
Diante do avanço das técnicas de reprodução humana assistida, quando se desenvolvem embriões in vitro, com a possibilidade de criopreservação para posterior implante no útero, surgem indagações sobre as condições do Espírito reencarnante diante de seu novo corpo em formação, ainda que congelado.
Nesse passo, Allan Kardec questionou os Espíritos so- bre a possibilidade que os Espíritos reencarnantes possuem em deterem as suas faculdades, já ligados ao corpo em formação, conforme a questão 351 de O Livro dos Espíritos:
351. No intervalo que medeia da concepção ao nascimento, goza o Espírito de todas as suas faculdades?
“Mais ou menos, conforme o ponto, em que se ache, dessa fase, porquanto ainda não está encarnado, mas apenas ligado. A partir do instante da concepção, começa o Espírito a ser tomado de perturbação, que o adverte de que lhe soou o momento de começar nova existência corpórea. Essa perturbação cresce de contínuo até ao nascimento. Nesse intervalo, seu estado é quase idêntico ao de um Espírito encarnado durante o sono. À medida que a hora do nascimento se aproxima, suas idéias se apagam, assim como a lembrança do passado, do qual deixa de ter consciência na condição de homem, logo que entra na vida. Essa lembrança, porém, lhe volta pouco a pouco ao retornar ao estado de Espírito.”
Corroborando com as respostas encaminhadas pelos Espíritos ao professor Allan Kardec, podemos observar a mesma linha de ideia expressada no capítulo 13 da obra Missionários da Luz (XAVIER, 1995), quando o instrutor Alexandre afirma que o processo de reencarnação é relativo ao grau de adiantamento de cada espírito:
O que vimos, porém, com Segismundo – perguntei – é regra geral para todos os casos? – De modo algum – respondeu o instrutor, atencioso –. Os processos de reencarnação, tanto quanto os da morte física, dife- rem ao infinito, não existindo, segundo cremos, dois absolutamente iguais. As facilidades e obstáculos es- tão subordinados a fatores numerosos, muitas vezes relativos ao estado consciencial dos próprios interessados no regresso à Crosta ou na libertação dos veículos carnais. Há companheiros de grande elevação que, ao voltarem à esfera mais densa em apostolado de ser- viço e iluminação, quase dispensam o nosso concurso. Outros irmãos nossos, contudo, procedentes de zonas inferiores, necessitam de cooperação muito mais complexa que a exercida no caso de Segismundo.

Cumpre destacar que a orientação trazida pelo instrutor Alexandre, também tem como base que a sustenta o princípio básico da qualidade dos fluidos, que está sempre relacionada com o grau de adiantamento moral do Espírito. Esse tema é debatido na obra A Gênese, de Allan Kardec (cap. XIV, item 9):
9. A natureza do envoltório fluídico está sempre em relação com o grau de adiantamento moral do Espírito. Os Espíritos inferiores não podem mudar de envoltório a seu bel-prazer, pelo que não podem passar, à vontade, de um mundo para outro. Alguns há, portanto, cujo envoltório fluídico, se bem que etéreo e imponderável com relação à matéria tangível, ainda é por demais pesado, se assim nos podemos exprimir, com relação ao mundo espiritual, para não permitir que eles saiam do meio que lhes é próprio. Nessa categoria se devem incluir aqueles cujo perispírito é tão grosseiro, que eles o confundem com o corpo carnal, razão por que continuam a crer-se vivos. Esses Espíritos, cujo número é avultado, permanecem na superfície da Terra, como os encarnados, julgando- se entregues às suas ocupações terrenas. Outros um pouco mais desmaterializados não o são, contudo, suficientemente, para se elevarem acima das regiões terrestres.
Esclarecidos, previamente, alguns pontos importantes para a análise do caso, passamos a adotar a segunda premissa doutrinária, embasada pela questão 351 de O Livro dos Espíritos, que aduz que a perturbação do Espírito é relativa ao ponto de desenvolvimento do embrião. Se “...a partir do instante da concepção, começa o Espírito a ser tomado de perturbação, que o adverte de que lhe soou o momento de começar nova existência corpórea...” e essa perturbação só aumenta conforme os laços fluídicos do perispírito vão se firmando nas novas células do embrião/feto (o que depende da fase da gestação), compreende-se, portanto, que o Espírito reencarnante goza de suas faculdades de forma relativa, de acordo com a fase do desenvolvimento embrionário.
Com base no trecho da resposta da questão 344, que
o laço fluídico vai se apertando com o desenvolvimento do embrião, é possível observar que quanto menos células no embrião/feto, menor seria a perturbação do Espírito,
o que poderia contribuir para a manutenção de suas capacidades espirituais, até certo ponto da gestação. Na sequência das divisões celulares, os laços fluídicos vão se consolidando, uma vez que o número de células também aumentam, ao passo que a influência da matéria no Espírito também vai se intensificando, bem como a perturbação do Espírito seguida de uma possível perda gradativa das suas faculdades espirituais.
Nessa toada, importa destacar as considerações apresentadas por DA FONSECA & VANNUCI (2005), que alegam:
Dependendo de seu estágio evolutivo, ele pode se deslocar para longe do seu embrião, estudar e trabalhar no Plano Espiritual, da mesma forma como um encarnado durante o sono. Como a fase embrionária é mais próxima do momento da concepção do que do nascimento, a perturbação tende a ser pequena, podendo o Espírito gozar de mais liberdade quanto ao uso de suas faculdades.

III.1 Dos embriões criopreservados
Adotadas essas duas premissas com bases doutrinárias, passamos a discorrer sobre os embriões que foram gerados in vitro e encaminhados para a criopreservação. Um corolário direto da primeira premissa é que se um embrião gerado in vitro possui um Espírito ligado, conclui-se, com base na resposta dada a questão 344 de O Livro dos Espíritos que a sua ligação ocorreu no momento da fecundação. Os embriões que são encaminhados para a criopreservação já se encontram em estágio de blastocisto (5 a 7 dias após a fecundação) e possuem, variavelmente,
entre 120 e 200 células10 (GARDNER & LANE, 2019).
Nesse ponto, adotaremos a premissa de que o Espírito reecarnante está ligado a aproximadamente 200 células que se encontram criopreservadas à temperatura de -196 oC (congeladas), “sofrendo” a influência dessa quantidade diminuta de matéria. Como aponta a segunda premissa, a perturbação aumenta de acordo com a quantidade de células a qual o Espírito está ligado. No entanto, não há como afirmar com certeza, se 200 células seriam suficientes para causar uma perturbação significativa em um Espírito reencarnante. Embora essa influência possa variar de Espírito para Espírito, se considerarmos que um bebê tenha, por baixo, da ordem de 1 trilhão de células (uma criança de 10 anos de idade possui 17 trilhões de células (HATTON et al., 2023)), podemos inferir o quão ínfima é a quantidade de matéria em um embrião e considerar que, salvo casos particulares, um Espírito recém ligado a um embrião contendo aproximadamente 200 células, certamente está em um estágio bem próximo da menor perturbação espiritual possível.
A literatura científica registra casos de embriões que permaneceram congelados por períodos extraordinariamente longos, ainda assim resultando em nascimentos bem-sucedidos. Um exemplo notável é o de um embrião que foi criopreservado por 20 anos e culminou no nascimento de um bebê saudável (GARDNER & LANE, 2019). Esses dados fornecem uma base importante para refletir, à luz da Doutrina Espírita, sobre a interação do Espírito reencarnante com um corpo submetido a tais condições extremas.
DA FONSECA & VANNUCI (2005), citando REVEL
et al. (2004), apontam um caso de congelamento de embrião por 12 anos que, após a implantação intrauterina, resultou em nativivo. Alegam, ainda, que o Espírito reencarnante ligado a embriões congelados por períodos prolongados pode gozar de maior liberdade de ação espiritual em virtude do estágio embrionário inicial, que oferece uma ligação fluídica ainda incipiente.
Estes dois últimos fatos sugerem que a criopreservação prolongada preserva essa liberdade, mantendo ao mínimo a perturbação do Espírito através da manutenção
do embrião com o mesmo número de células (efeito di- reto do congelamento). Pelo menos, isso ocorre até a retomada do desenvolvimento biológico do embrião por ocasião de sua implantação no útero de uma mulher.
Adicionalmente, pode-se inferir diretamente desses mesmos princípios doutrinários que embriões com comprometimentos biológicos podem impor desafios à continuidade da ligação do Espírito, intensificando as dificuldades no processo reencarnatório. Tais perturba- ções decorrem tanto das condições adversas do corpo físico em formação quanto da interação direta entre Espírito e matéria, uma vez que a ligação perispiritual também pode ser afetada pelas condições biológicas do embrião, para o caso em tela, criopreservados. Nestes casos, não se configura aborto pois que ainda há limitações no processo de congelamento e descongelamento do embrião que podem afetar sua estrutura (VEECK et al., 2004).
SIMONETTI (2001), na obra Reencarnação – Tudo o que você precisa saber, mais especificamente no item “Inseminação artificial”, apresenta pontos de convergência e divergência com as premissas doutrinárias. Dentre as convergências relevantes observa-se a valorização da inseminação artificial ou a adoção de técnicas científicas que contribuam com a reprodução humana como ferra- menta da misericórdia divina, permitindo que Espíritos resgatem compromissos por meio da maternidade e da paternidade. Essa visão está alinhada com os princípios de justiça e oportunidade contínua para a evolução espiritual, como apresentado por Kardec na questão 171 de O Livro dos Espíritos, que se refere ao princípio das reencarnações sucessivas como um mecanismo justo de progresso, que permite ao Espírito aprimorar-se continuamente e reparar erros de vidas passadas.
Por outro lado, ainda no mesmo tópico da referida obra de SIMONETTI, existem contradições claras em relação ao corpo doutrinário quanto ao momento da ligação do Espírito ao corpo. Enquanto na questão 344 de O Livro dos Espíritos, os Espíritos ensinam que a ligação do Espírito reencarnante ocorre no momento da fecunda- ção do óvulo pelo espermatozoide, SIMONETTI sugere maior flexibilidade, atribuindo aos mentores espirituais a capacidade de adaptar o planejamento reencarnatório mesmo em situações não previstas nas obras de Allan Kardec.
Esses pontos destacam que a reencarnação não é apenas um mecanismo automático, mas está intrinsecamente ligada ao princípio de justiça divina, oferecendo condições para que os Espíritos progridam moral e intelectualmente, inclusive em contextos científicos contemporâneos, como os métodos de fertilização assistida.
Assim, os dados científicos sobre criopreservação de longo prazo não apenas evidenciam os riscos biológicos associados ao procedimento, mas também reforçam a necessidade de refletir sobre os possíveis efeitos espirituais no Espírito reencarnante. Este cenário destaca a relevância de integrar ciência e Espiritismo para compreender as complexidades envolvidas no processo de reencarnação e nos desafios que surgem em embriões criopreservados.

III.2 Dos embriões criopreservados que não se desenvolvem
Outro ponto importante a ser abordado refere-se aos embriões que não se desenvolvem diante da realização do procedimento de FIV, cujas causas podem variar de acordo com diversas condições, tanto do próprio Espírito reencarnante quanto das condições físicas do embrião em si e da futura gestante, passando desde problemas endócrinos, a anatômicos e fisiológicos.
Nesse sentido, considerando as condições ótimas de uma mulher saudável do ponto de vista reprodutivo, podemos mencionar as seguintes causas para um embrião congelado não concretizar a nidação:
i) embriões que nunca tiveram um Espírito ligado;
ii) embriões que tiveram um Espírito ligado, porém, foram desligados por vontade do Espírito reencarnante antes de serem implantados no útero;
iii) embriões que tiveram um Espírito ligado (e se mantiveram ligados), mas não vingaram por condições impeditivas da mãe (possivelmente envolvendo questões de provação da mãe e do Espírito).
Diante dessas importantes questões, cumpre relembrar a questão 345 de O Livro dos Espíritos, que trata da ligação definitiva do Espírito com o corpo desde o momento da fecundação:
345. É definitiva a união do Espírito com o corpo desde o momento da concepção? Durante esta primeira fase, poderia o Espírito renunciar a habitar o corpo que lhe está destinado?
“É definitiva a união, no sentido de que outro Espírito não poderia substituir o que está designado para aquele corpo. Mas, como os laços que ao corpo o prendem são ainda muito fracos, facilmente se rompem e podem romper-se por vontade do Espírito, se este recua diante da prova que escolheu. Em tal caso, porém, a criança não vinga.”
Observa-se que os Espíritos apontam que uma vez o Espírito reencarnante ligado a um corpo em formação (embrião/feto), outro não pode ali se ligar, bem como apontam que os laços que ligam o Espírito reencarnante ao mencionado corpo em formação, são muito frágeis e podem se romper por vontade do Espírito. Nesse caso de eventual desligamento do Espírito reencarnante, ao se realizar o descongelamento e o implante intrauterino, se faz apenas com células que não possuem mais um Espírito ligado, podendo inviabilizar a gestação. Destaque para a trecho “podendo inviabilizar”, pois em alguns casos a gestação ainda pode seguir adiante, resultando em natimorto, conforme as questões 355 e 356 de O Livro dos Espíritos:

355. Há, de fato, como o indica a Ciência, crianças que já no seio materno não são vitais? Com que fim ocorre isso?
“Frequentemente isso se dá e Deus o permite como prova, quer para os pais do nascituro, quer para o Espírito designado a tomar lugar entre os vivos.”
356. Entre os natimortos alguns haverá que não tenham sido destinados à encarnação de Espíritos?
“Alguns há, efetivamente, a cujos corpos nunca nenhum Espírito esteve destinado. Nada tinha que se efetuar para eles. Tais crianças então só vêm por seus pais.”
a) — Pode chegar a termo de nascimento um ser dessa natureza?
“Algumas vezes; mas não vive.”
Como é possível observar das repostas dadas pelos Espíritos nas questões 355 e 356 de O Livro dos Espíritos, é possível que haja uma gestação sem qualquer Espírito ligado ao corpo em formação, se tratando, contudo, apenas de fenômeno biológico de desenvolvimento celular, que não chegará ao termo, não vingará pela ausência de Espírito ligado às células.
Os estudos científicos sobre criopreservação de embriões fornecem dados que corroboram a necessidade de considerar possíveis impactos espirituais e materiais no Espírito reencarnante que se encontra ligado a esses embriões. Apesar dos resultados e constatações supracitados, pesquisas como a de WANG et al. (2024), indicam que períodos prolongados de criopreservação podem comprometer a viabilidade biológica dos embriões, resultando em redução das taxas de gravidez clínica e de nascidos vivos, além de aumento dos riscos de aborto espontâneo e gravidez ectópica. Essas evidências sugerem alterações moleculares ou epigenéticas nos embriões, que podem afetar o desenvolvimento normal.
Sob a ótica da Doutrina Espírita, a ligação fluídica
entre o Espírito e o corpo inicia-se no momento da fecundação, conforme descrito em O Livro dos Espíritos (ques- tões 344 e 351). Esse vínculo, que se fortalece ao longo do desenvolvimento celular, é essencial para o processo de reencarnação. Contudo, a Doutrina Espírita também esclarece que as condições materiais do corpo influenciam diretamente o Espírito reencarnante, podendo gerar per- turbações crescentes durante o período embrionário, conforme os laços fluídicos se consolidam.

IV CONCLUSÕES
Em suma, a análise detalhada das premissas apresentadas à luz da Doutrina Espírita proporciona uma com- preensão mais aprofundada do processo de reencarnação e a sua relação com os embriões criopreservados. Partindo das obras de Allan Kardec, foi possível estabelecer que a ligação do Espírito ao novo corpo se dá no mo- mento da fecundação, através de laços fluídicos perispirituais, que se consolidam, gradativamente, de acordo com o desenvolvimento celular do embrião/feto.
No entanto, questionamentos como o de SIMONETTI (2001) seguidos de argumentos de que a Doutrina Espírita não está finalizada ou de que “Kardec não disse tudo” (veja-se um importante alerta de MILANI (2025) sobre isso), tem levado alguns adeptos espíritas a ponderar a possibilidade de novas perspectivas em relação ao momento de ligação do Espírito ao corpo. Embora as obras de Allan Kardec apontem que essa ligação ocorre no momento da fecundação, é possível que futuras revelações dos Espíritos, alinhadas aos avanços do conhecimento humano e espiritual, ampliem o entendimento sobre o tema. Porém, nesse contexto, é importante ressaltar que qualquer revisão ou aceitação de novas ideias deve observar os critérios doutrinários estabelecidos pela própria Doutrina Espírita, a saber: i) ser fundamentada no bom senso e na razão, e ii) passar pelo Controle Universal do Ensino dos Espíritos (CUEE). Esses critérios garantem que as mudanças de algumas ideias, em face ao desenvolvimento científico e tecnológico, sejam conduzidas de forma segura e coerente, evitando conclusões precipitadas ou desvios doutrinários.
Portanto, quaisquer diferentes perspectivas sobre o momento da ligação do Espírito ao corpo, independente de sua própria lógica e sensatez, devem ser tratadas como hipóteses, sujeitas a validação mediante os métodos recomendados pela Doutrina Espírita. Essa abordagem evita preconceitos e promove um diálogo aberto entre as diferentes interpretações, fortalecendo a relação entre a ciência e o Espiritismo.
Sabendo que existe uma progressiva perturbação do Espírito à medida que os laços fluídicos se fortalecem durante o desenvolvimento embrionário, mostrei como ponderar sobre o impacto dessa perturbação nos Espíritos ligados a embriões criopreservados. Diante da variabilidade das condições espirituais e materiais envolvidas no processo de congelamento de embriões, é difícil afirmar com certeza sobre como cada um se comportará, se vai vingar ou não quando implantando em um útero. Porém, a Doutrina Espírita esclarece acerca da ligação definitiva do Espírito ao corpo desde a fecundação, possibilitando reflexões sobre casos de embriões que não se desenvolvem ou que não possuem um Espírito ligado.
Assim, este artigo reforça a necessidade de uma análise criteriosa e fundamentada no que há de mais confiável em termos de conceitos espíritas, tal seja, as obras fundamentais de Kardec, ao mesmo tempo que convida à reflexão sobre as complexidades do processo reencarna- tório. O respeito aos princípios doutrinários, aliado à busca por conhecimento atualizado, permite enriquecer a compreensão e promover avanços no entendimento desse tema tão relevante.
Em última análise, essas reflexões não apenas ampliam nosso entendimento sobre os processos de reencarnação, mas também nos convidam a contemplar a complexidade e a individualidade de cada experiência espiritual e biológica, enriquecendo assim o diálogo entre a ciência e a espiritualidade.

REFERÊNCIAS
CORRÊA, M. C. D. V.; LOYOLA, M. A. 2015. “Tecnologias
de reprodução assistida no Brasil”: opções para ampliar o acesso. Physis: Revista de Saúde Coletiva 25, 753-777. DOI: 10.1590/S0103-73312015000300005.
DA FONSECA, A. F. 2023. “Fluidos, Perispírito e as Manifesta- ções Espirituais”, Jornal de Estudos Espíritas 11, 010202. DOI: 10.22568/jee.v11.artn.010202.
DA FONSECA, A. F.; VANNUCI, A. 2005. “Embriões congelados: espíritos ligados por até 12 anos”, Revista Internacional de Es- piritismo, Abril. Artigo reproduzido neste link. Acessado em 01/12/2024.
GARDNER, D. K.; LANE, M. 2019. “Criopreservação de embriões humanos.” In: Textbook of Assisted Reproductive Technologies, CRC Press, 4a ed., pp. 215–226.
HATTON, I. A.; GALBRAITH, E. D.; MERLEAU, N. S. C.; MI- ETTINEN, T. P.; SMITH, B. M.; SHANDER, J. A. 2023. ”The
human cell count and size distribution”, Proc. Natl. Acad. Sci.
U.S.A. 120, e2303077120. DOI: 10.1073/pnas.2303077120.
KARDEC, A. 2004. O Livro dos Espíritos. 7a edição. Rio de Ja- neiro: Federação Espírita Brasileira (FEB).
KARDEC, A., 2013. A Gênese, Editora FEB, 53a edição (Edição Histórica), Brasília, DF.
LOURENÇO, E. A. 2012. “Células-tronco embrionárias: Há Espíri- tos nesses embriões congelados?”, O Consolador 262. Disponível neste link. Acessado em 02/11/2024.
MILANI, M. 2025. ““Kardec não disse tudo” e a falácia do apelo da ignorância”, Candeia Espírita 42, 9 (2025). Artigo reproduzido neste link. Acessado em 03/03/2025.
NUNES FILHO, A. D. 2021. “Constituição da vida sem intercurso sexual.”, O Consolador 732. Disponível neste link. Acessado em 02/11/2024.
REVEL, A.; SAFRAN, A.; LAUFER, N.; LEWIN, A.; REUBI-
NOV, B. E.; SIMON, A. 2004. “Twin delivery following 12 years of human embryo cryopreservation: Case report”, Human Re- production 19, 328. DOI: 10.1093/humrep/deh046.
ROCHA, K. N. S.; DE OLIVEIRA, M. A.; DA SILVA, F. A.; SIL-
VINO, M. E. S.; BORGONOVI, B. M. F.; NETO, A. B.; RO-
MAGNOLI, A. A.; MORAES, L. S. 2022. “Atualizações sobre a fertilização in vitro para reprodução humana / Updates on in vitro fertilization for human reproduction”, Brazilian Journal of Health Review 5, 3081–3100. DOI: 10.34119/bjhrv5n1-269.
ROSSIT, F. 2017. “Inseminação Artificial: há Espíritos ligados aos embriões descartados?”, Site Agenda Brasil. Disponível neste link. Acessado em 02/11/2024.
SIMONETTI, R. Reencarnação: Tudo o que você precisa saber, CEAC, 2001 2a ed. Bauru.
VEECK, L. L.; BODINE, R.; CLARKE, R. N.; BERRIOS, R.; LIBRARO, J.; MOSCHINI, R. M.; ZANINOVIC, N.; RO-
SENWAKS, Z. 2004. “High pregnancy rates can be achieved after freezing and thawing human blastocysts”, Fertility and Ste- rility 82, 1418. DOI: 10.1016/j.fertnstert.2004.03.068.
WANG, X. -J.; CHEN, M. -X.; RUAN, L. -L.; TAN, L.; GENG,
L. -H.; YANG, H. -J.; FU, L. -J.; ZHONG, Z. -H.; LV, X. -Y.;
DING, Y. -B.; WAN, Qi. 2024. “Study on the optimal time limit of frozen embryo transfer and the effect of a long-term frozen embryo on pregnancy outcome”, Medicine 103, e37542. DOI: 10.1097/MD.0000000000037542.
XAVIER, F. C. 1995. Missionários da Luz, pelo Espírito de André Luiz, FEB, 26a edição, Rio de Janeiro, RJ.



1 É o nome dado ao gameta feminino, também conhecido como óvulo, produzido nas gônadas femininas (ovários), regulados pela ação de hormônios específicos.
2 Fertilização ou fecundação, basicamente é o encontro do óvulo com o espermatozoide, que passa a interagir com a zona pelúcia ovular, buscando entrar na célula reprodutiva feminina.
3 Célula-ovo ou zigoto: é a célula formada após a união do espermatozoide (gameta masculino) com o ovócito (gameta feminino), que formará o embrião.
4 Por exemplo, veja os seguintes links: https://agendaespiritabrasil.com.br/2017/06/12/inseminacao-artificial-ha-espiritos-ligados- aos-embrioes-descartados/; https://www.oconsolador.com.br/ano15/732/especial.html; https://www.letraespirita.blog.br/single- post/embriões-congelados-na-perspectiva-espírita; https://www.revistaautadesouza.com/index.php/2020/04/25/visao-espirita-sobre- o-emprego-de-celulas-tronco/.
5 O termo “concepção” era o mais utilizado na época da publicação de O Livro dos Espíritos, porém, atualmente utiliza-se “fecundação” ou “fertilização”, termos que serão adotados nesta obra, conforme a ciência atual.
6 É considerado feto o estágio de desenvolvimento intrauterino que tem início após nove semanas de vida embrionária.
7 O Evangelho Segundo o Espiritismo, Introdução, item II.
8 Questão 356 de O Livro dos Espíritos.
9 Mórula: primeiro estágio de divisão celular após a fecundação, com aproximadamente 12 a 32 células. A mórula precede o blastocisto.
10 Vale lembrar que a quantidade de células pode variar ligeiramente dependendo do embrião.


João Tozzi