Minha Luz

Eu era, Dor, a alma rubra e inquieta,
A pomba predileta
Do prazer, da ilusão e da alegria...
Meu coração, alegre cotovia,
Saudava alvoroçado
O segredo da noite e a luz clara do dia,
Quando chegaste de mansinho,
Pisando sutilmente o meu caminho...

E eu te enxerguei, despreocupada,
Em meu engano, em minha fantasia:
Primeiramente,
Foste, austera e inclemente,
A um dos belos tesouros que eu possuía
E mo roubaste para sempre...
Em fúria iconoclasta,
Como o simum que arrasta
As cidades repletas de tesouros
Confundindo-as no pó,
Foste aos meus ídolos mais caros,
Destruindo-os sem dó.

Prosseguiste, ó divina estatuária,
Na tua obra silente e solitária,
E quebraste
Minhas cítaras de ouro,
Meus mármores de Paros,
Meus cofres de alabastros,
Minhas bonecas de biscuí,
Minhas estatuetas singulares...
E humilhaste
Meus sonhos de mulher e de menina,
Que eu pusera nos astros
Em meio às melodias estelares!

Mas, desde que chegaste,
Foste a sombra divina
Que acompanhou meus passos ao sepulcro...

Tudo sofri,
Ó Dor, por te querer,
Porque depois que vieste
Qual pássaro celeste
Para abrir rosas de sangue no meu peito,
Encheste a minha vida
De um estupendo prazer, quase perfeito!

Aos poucos me ensinaste a abandonar
Meus prazeres fictícios,
Trocando-os pela luz dos sacrifícios!
Por tudo eu te bendigo, ó Dor depuradora,
Porque representaste em meu destino,
De alma sofredora,
O fanal peregrino
Que me guiou constantemente
Através das estradas espinhosas
Para as manhãs radiosas
Da Luz Resplandecente...

Sê, pois, bendita, ó Dor linda e gloriosa,
Pois da volúpia estranha dos teus braços,
Vim pelas mãos da morte complacente
Para a vida sublime dos Espaços!...


Carmem Cinira