A Tira de Papel

A sessão terminara.

Armindo pensava, enquanto as pessoas deixavam o salão. Ali viera pela primeira vez por insistência de amigos que lhe indicaram o Espiritismo como recurso para asserenar-lhe a angústia.

Ecoavam nele, ainda, as palavras do orador, moço a brandir verbo firme e brilhante:

- A fé em Deus traz a alegria de viver. É sol na alma. Tenhamos confiança e, sobretudo, ajudemos aqueles que não a possuem, confortando os desesperados. Ajudar a alguém é ajudar-nos. Servir é servir-nos...

E Armindo cismava:

O pregador diz essas coisas, mas não creio que as faça. É muito moço ainda. Cheio de vida. Quero ver quando chegar na minha idade... Cinqüenta e seis anos... Quanta decepção! Quanta dor!...

E, meditando, não percebeu que quase todos os circunstantes já se haviam retirado, deixando-o quase só...

Armindo levanta-se e vê um montículo de papel sobre a mesa.

São pequenas tiras indicando os nomes de doentes que haviam recorrido às orações daquela noite no templo espírita.

Brota-lhe uma idéia de súbito.

Apanharia um nome e aplicaria os conselhos ouvidos.

Consolaria a alguém necessitado, tentando melhorar a sua própria mente.

Toma de um pedacinho de papel e lê nele um nome de mulher, com o endereço respectivo.

- Amanhã é domingo – refletiu. – Visitarei essa pessoa pela manhã.

Realmente, às oito horas batia à porta de pequena casa, a desmoronar-se em bairro distante.

Mocinha triste atende.

Armindo pergunta pela mulher indicada.

E a jovem fala baixinho:

- Meu senhor, Conceição acaba de desencarnar. Entre, faça o favor.

Emocionado, Armindo vê junto a catre paupérrimo duas senhoras humildes compondo o corpo inerte de mulher moça, observadas por duas crianças de olhar agoniado.

Depois das saudações, uma das senhoras assinala, discreta:

- Era câncer. Descansou, coitada. Há três meses vinha sofrendo horrivelmente.

Armindo, consternado, ouviu o esclarecimento.

Nisso, um homem penetra no quarto penumbroso.

- É o marido da morta e pai dos meninos – esclarece a senhora, falando de novo.

Armindo dirige-se para ele, fazendo menção de cumprimentá-lo, e, extremamente surpreendido, reconhece nele o orador da noite precedente, de olhos molhados, mas de fisionomia tranqüila.


Hilário Silva