Assim Passa

A beira do Eurotas, a república de Esparta sentia a extensão de sua grandeza. Licurgo, o legislador, visitara as organizações do Egito e da Índia e assenhoreara-se-lhes dos gloriosos conhecimentos. Subtraindo, porém, a cultura alheia, não se detivera no campo da sabedoria. Patriota orgulhoso, transformou-a na base do seu castelo de tirania.

Em breve, recebiam os espartanos determinações de vaidoso isolacionismo, com a máscara da legalidade. Instalara-se o socialismo nacional, com o menosprezo de todos os valores humanos. O pais foi dividido em lotes de terra, iguais entre si, criou-se um senado que endossasse o absolutismo do poder, instituiu-se rigorosa disciplina civil e militar, obrigou-se o povo às refeições comuns e estabeleceu-se a compulsória dos costumes.

A política da república fundou a religião da raça e da fôrça. Os recém-natos, portadores de qualquer imperfeição física, eram sumariamente eliminados. Não se interessava Esparta por questões de dignidade humana. Não lhe importava a fonte do amor, nem o tesouro da Ciência. Relegava-se a cultura do espírito a plano secundário. Exigia guerreiros que dobrassem o mundo aos seus pés. Estenderia sua constituição aristocrática a outros povos, aniquilaria os filósofos e os artistas. Era proibido pensar para obedecer.

E em breve, de armaduras vitoriosas e cintilantes, os espartanos venciam os messênios, em duas guerras longas e dolorosas.

Nobres cavaleiros e sábios patriarcas foram reduzidos a hilotas, em miserável e angustioso cativeiro. Homens honestos e cultos foram submetidos semi comiseração.

Os amigos da humanidade eram atirados ao desprezo e à morte.

Os descendentes dos dórios, centralizando consideráveis possibilidades pela sua política de supremacia e dominação, rasgaram estradas suntuosas e construíram palácios soberbos.

Ante a impulsividade dos seus exércitos, todo o Peloponeso caía-lhes sob a poderosa influência. Atenas, que amava a Ciência e a Cultura, as artes e o trabalho pacífico, foi compelida à submissão, passando a obedecer ao ignóbil conselho dos Trinta Tiranos, que a vitória de Lisandro lhe impusera.

Aparentemente, a fôrça espartana derrotara o direito ateniense. O punho bélico esmagava a razão. Categorizados como mendigos, os velhos mestres da inteligência viam as paradas militares brilhando ao sol e ouviam trompas guerreiras concitando ao domínio de sua terra. Lares impolutos suportavam o nojento assédio de conquistadores sem escrúpulo e, de quando em quando, no intervalo mais longo das batalhas, pugilos de bravos morriam pela liberdade, por prestar-lhe culto fiel até ao sangue.

Toda a Hélade tremia sob as patas de cavalos, e, no admirável santuário dos deuses, arrastava-se o fantasma da perseguição e da morte.

Esparta realizara o seu ideal de brutalidade e racismo, mas, contra a sua orientação despótica, reúnem-se as energias construtivas. E como a defensiva sabe fundir a espada na forja do direito, surge a resistência organizada em toda a parte. A prepotência espartana semeara ódio e rivalidade, ruína e vingança e não só os atenienses desfazem o jugo indébito: outras cidades disputam-lhe a hegemonia. Tebas arrebata-lhe o cetro do poder. Em vão o povo ambicioso e autocrata de Licurgo tenta arregimentar as fôrças que lhe restam. A paixão militarista convertera a cidade em ninho belicoso de águias homicidas. Escasseavam os lares e sobravam quartéis. Constituíam-se as leis de sentenças absolutas. Rareavam cidadãos, porque Esparta queria soldados para as conquistas sem fim.

Depois da dominação, as ruínas do cativeiro. Seus generais haviam erguido montanhas admiráveis da fôrça, erigindo colossos de pedra e fazendo milagres de disciplina. Entretanto, a grandeza que parecia invulnerável passou como um sonho. Vencidos por Epaminondas, os espartanos observaram a reconstituição de Messênia, Mantinéia e Megalópolis, que lhes haviam assistido ao ruidoso triunfo. E, no curso do tempo, não restavam de seu império magnificente senão detestáveis recordações nas ruínas da Acaia. Entre as colunas quebradas e capitéis ao abandono, as serpentes fizeram seu ninho e vieram aves agoureiras piar a desolação da ventania e da noite.

Observando as imponentes ruínas das grandes cidades européias, que os fazedores de guerra lançaram à destruição, treme nossa alma, recordando que o exemplo de Esparta antecedeu a Jesus - Cristo.

Os novos Licurgos idealizaram os Estados Molochs, devoradores dos direitos humanos e dos princípios mais belos da vida e ergueram novas Babilônias, absorventes e tirânicas, onde a alma é sempre um zero à esquerda, do despotismo do poder; mas, como acontece há muitos séculos, a morte espreita os castelos da ambição e da vaidade, erguidos com sangue e sarcasmo e, quando suas tôrres desafiam o céu, ela convoca as energias da razão e converte a soberbia em miséria e a suntuosidade em destroços.

Assim passa a efêmera glória da opressão e da tirania!

Depois da carnificina das águias criminosas restam no campo apenas detritos e despojos que a piedade vem remover, a fim de que o homem siga o seu caminho na construção do mundo melhor.


Irmão X