A Exaltação da Cortesia

À frente da multidão de sofredores e desalentados, relacionou o Mestre as bem-aventuranças, destacando, com ênfase, a declaração de que os mansos herdariam a Terra.

A afirmativa, porém, soou entre os discípulos de maneira menos agradável.

Tal asserção não seria encorajamento à ociosidade mental?

Se o Evangelho reclamava espíritos valorosos na sementeira das verdades renovadoras, como acomodar a promessa com a necessidade do destemor? Se o mal era atrevido e contundente, em todos os climas e posições, como estabelecer o triunfo inadiável do bem através da incapacidade de reagir, embora pacificamente?

Nessas interrogações imprecisas, reuniu-se a assembléia familiar no domicílio de Pedro.

Iniciados os comentários edificantes da noite, entreolhavam-se os discípulos entre a indagação e a curiosidade.

O Divino Amigo parecia perceber os motivos da expectação, em torno, mas esperava, sereno, que os seguidores se pronunciassem.

Foi então que Judas, rompendo o véu de respeito que aureolava a presença do Mestre, inquiriu, loquaz:

- Senhor, por que atribuíste aos mansos a posse final da Terra? Os corações acovardados gozarão de semelhante bênção? Os incapazes de testemunhar a fé, nos momentos graves de lutas e sacrifícios, serão igualmente bem-aventurados?

Jesus não respondeu, de imediato.

Vagueou o olhar, através dos circunstantes, como a pedir-lhes a exposição de quaisquer dúvidas que lhes povoassem a alma.

Pedro cobrou ânimo e perguntou:

- Sim, Mestre: se um malfeitor visitar-me a casa, não devo recordar-lhe os imperativos do acatamento recíproco? Entregar-me-ei sem qualquer admoestação fraternal aos seus delituosos caprichos, a pretexto de guardar a mansidão a que te referiste?

O Cristo sorriu, como tantas vezes, e enunciou, calmo:

- Enganaram-se todos, naturalmente. Eu não fiz o elogio da preguiça, que se mascara de humildade, nem da covardia que se veste de candura para melhor acomodar-se às conveniências humanas. As criaturas que se afeiçoam a semelhantes artifícios sofrerão duramente os instrumentos espirituais de que o mundo se utilizar para reajustar os caracteres tortuosos e indecisos.

Exaltei, na realidade, a cortesia de que somos credores uns dos outros.

Bem-aventurados os homens de trato ameno que sabem usar a energia construtiva entre o gesto de bondade e o verbo da compreensão! Bem-aventurados os filhos do equilíbrio e da gentileza que aprendem a negar o mal, sem ferir o irmão ignorante que o solicita sem saber o que pede! Abençoados os que repetem mil vezes a mesma lição, sem alarde, para que o próximo lhes aproveite a influenciação na felicidade justa de todos!

Bem-aventurados aqueles que sabem tratar o rico e o pobre, o sábio e o inculto, o bom e o mau, com espírito de serviço e entendimento, dando a cada um, de conformidade com os seus méritos e necessidades e deixando os sinais de melhoria, de elevação, bem-estar e contentamento por onde cruzam!

Em verdade vos digo que a eles pertencerá o domínio espiritual da Terra, porque todo aquele que acolhe os semelhantes, dentro das normas do amor e do respeito, é senhor dos corações que se aperfeiçoam no mundo!

Alívio e alegria transbordaram do ânimo geral e, de olhos fitos, agora, nas águas imensas do grande lago, o Senhor pediu a Mateus encerrasse o fraterno entendimento da noite, pronunciando uma prece.


Néio Lúcio