Há um Espiritismo Brasileiro?

Acho preferível evitar o emprego de rótulos limitadores ao Espiritismo, especialmente esses que distinguem o Espiritismo chamado brasileiro, daquele que se prega e se pratica em outros países. A verdade não pode ter nuanças nem sofrer influências geográficas, políticas ou sociais. Às vezes, entretanto, torna-se difícil escapar à contingência de qualificar a corrente doutrinária. Sinto esse problema, de maneira particularmente aguda, pois que, por dever de ofício, na humilde colaboração que empresto ao “Reformador”, vivo a percorrer revistas e livros de modo especial os que nos chegam do mundo anglo saxônico.

À margem dos postulados básicos, comuns a todas as correntes espíritas, há uma faixa fronteiriça, felizmente exígua, onde repontam algumas divergências, mais de forma que de substância. Entre o Espiritismo, segundo entendemos nós, kardecistas, e o espiritualismo predominante na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Holanda, na Alemanha e em outros países dessa área de influência, a diferença que mais avulta é a que diz respeito às reencarnação. Enquanto, de nossa parte, não compreendemos evolução espiritual sem a doutrina das vidas sucessivas, nossos irmãos anglo saxônicos, via de regra, ainda não aceitam a idéia. Alguns a admitem, mas sem entusiasmo; outros preferem que fique ao arbítrio de cada um decidir se aceita ou não e, ainda outros, combatem-na acirradamente com argumentos sempre os mesmos e que oferecem escassa base de sustentação.

É inegável, porém, a grande atenção que dedicam as publicações estrangeiras ao que se faz e se pensa no Brasil em matéria de Espiritismo. Assim como respeitamos o trabalho científico e a profundeza filosófica dos alemães, o poderio material e técnico dos americanos, a cultura dos franceses, o conhecimento espiritual, algo iniciático dos hindus, a sobriedade e serenidade dos ingleses, sentimos cuidado que se dedica lá fora, ao conhecimento do Espiritismo praticado no Brasil.

O ano que passou foi particularmente ativo sob esse aspecto. Uma instituição norte americana interessou-se profundamente pelo Brasil. Trata-se da Belk Foundation, organização inteiramente empenhada na pesquisa, estudo e divulgação dos fenômenos de natureza psíquica, para o que dispõe de recursos amplos e uma boa equipe de pesquisadores.

Tive oportunidade de travar conhecimento pessoal com a delegação preliminar que a referida fundação enviou ao Brasil em 1963. Aqui vieram o próprio presidente da instituição, o Sr. Henry Belk e um cientista altamente qualificado e do qual tive magnífica impressão, o Dr. Andrija Puharich, médico americano, de ascendência iugoslava.

Quem são:

O Sr. Belk, um homem de negócios, possuidor, segundo se sabe de largos recursos materiais, é um espírito prático e alertado para esse tipo de pesquisa. Fundou e mantém a organização que tem sua sede social na Califórnia e uma sucursal em New York. Disse-me ele do seu interesse em instalar uma sucursal no Brasil, a fim de poderem trabalhar aqui, em colaboração com cientistas brasileiros.

O Dr. Puharich é relativamente jovem, ainda não tem 50 anos de idade e tem um impressionante Curriculum. Além de médico, é homem de grande cultura geral, tendo destacada função nas realizações espaciais nos Estados Unidos. Interessou-se há mais de uma década pelas pesquisas da chamada parapsicologia, especialmente a percepção extra sensorial. É autor de um livro notável, chamado “The Sacred Mushroom”, O Cogumelo Sagrado, publicado nos Estados Unidos, em 1959, (editado pela Doubleday & Company, Inc, preço US$ 4.50). Nesse livro, sobre o qual escrevi alguns comentários para o Reformador, o Dr. Puharich conta a extraordinária aventura científica que viveu na sua pesquisa acerca do cogumelo denominado “amanita muscaria” que possui a faculdade de provocar desdobramento do espírito e, por conseguinte, fenômenos de natureza mediúnica.

O Dr. Puharich e o Sr. Belk vieram ao Brasil para estudar, preliminarmente, as possibilidades de pesquisas em torno do Espiritismo, aqui praticado. Tive a satisfação de orientar-lhes os passos nos seus primeiros contatos, dando-lhes o encaminhamento que me pareceu mais adequado. Em visita a Congonhas do Campo, onde foram estudar o médium José Pedro de Freitas (Zé Arigó), o Dr. Puharich recebeu um inesperado convite do próprio Dr. Fritz, para se deixar operar de um quisto no braço. A demonstração deixou a ele, ao Sr. Belk e aos dois inteligentes jovens brasileiros que os acompanhavam, perfeitamente convencidos e altamente surpreendidos.

Visitaram também a médium Dona Otília Diogo, em Andradas, examinando os fenômenos ali produzidos, com a aparelhagem especial que trouxeram dos Estados Unidos e que inclui gravadores, filmadoras e aparelhos que possibilitam a visão no escuro, a fim de vigiar os movimentos do médium e de demais pessoas presentes.

Além de inúmeros contatos, visitas e reuniões na Guanabara, freqüentaram instituições e grupo espíritas, em Niterói e São Paulo. No Rio de Janeiro, mantiveram várias entrevistas e reuniões com o Sr. Luís J. Rodriguez autor do livro “God Bless the Devil” (Deus abençoe o Demônio) que acabei de traduzir para o português.

O que pretendem fazer:

Em seguida, voltaram aos Estados Unidos, de onde pretendem retornar ao Brasil ainda em 1964, com uma equipe maior de cientistas e mais extensa aparelhagem, pois que ficaram realmente impressionados com as perspectivas de um amplo e documentado estudo dos fenômenos espíritas, possível aqui no Brasil.

Em carta que me dirigiu logo que chegou à América, o Sr. Belk informa que encontrou fraude e alguma credulidade excessiva em certos círculos, mas que podia atestar a autenticidade de dois dos médiuns testados: Arigó e Dona Otília Diogo.

Tenho a impressão, amigos, de que vamos Ter muito que falar ainda sobre esse assunto. Aguardemos.

Uma simpática senhora americana, Sra. Hazel Morris, que já havia estado no Brasil, durante a Segunda Guerra Mundial, nos procurou, com a intenção de divulgar nos Estados Unidos, um pouco da nossa literatura mediúnica. Não estou ainda autorizado a dizer tudo, mas posso revelar que estão adiantados os trabalhos de tradução de um dos livros mais representativos desse gênero. Não se admire leitor, se daqui há algum tempo, passar aí pela sua cidade um filme baseado nesse livro. Por enquanto, isto tudo são sonhos, mas costumo repetir o estribilho de uma canção americana: se a gente não sonhar, como é que os sonhos vão se realizar?

Repercussão do Trabalho de Conrado Ferrari.

O Hospital Espírita do eminente confrade Conrado Ferrari, de Pôrto Alegre, é sempre notícia nas revistas espíritas estrangeiras. Mesmo no Brasil, o trabalho de Ferrari e desse outro ilustre cientista que é o Dr. Ignácio Ferreira, de Uberaba, ainda são exemplos de pioneirismo, imagine o extraordinário assombro que provoca lá fora! A revista da Federação Espírita Internacional “Yours Fraternally”, sempre tem uma nota sobre Ferrari. Fotografia do prédio em que funciona o Hospital já foi até estampada na capa daquela publicação. Recentemente, a veterana e conceituada revista inglesa “Two Worlds”, comentava, em artigo assinado pela Sra. Anne Dooley, que o trabalho de Conrado Ferrari estava frutificando também na Inglaterra para onde um homem esclarecido estava transplantando a idéia de tratar doentes mentais, por processos espíritas: passes, sessões mediúnicas, preces, etc. É verdade que a autora mencionava, com grande admiração que Ferrari declarava serem freqüentemente, de origem cármica as disfunções psíquicas. Achava surpreendente essa idéia de que os problemas humanos mais graves, geralmente tenham a sua origem em vidas anteriores. Poderíamos acrescentar que a Psicanálise já deveria, de há muito, ter dado com isso, porque com freqüência não encontra no espaço de um só vida, as causa dos distúrbios mentais que se propõe curar. Seja como for, a Sra. Dooley reconhece que, nesse ponto, o Brasil lidera claramente, na maneira de encarar o problema das chamadas psicoses. O título de seu artigo em “Two Worlds” é esse mesmo: “Onde o Brasil abre caminho”.

A Sra. Rosenthal vem à América do Sul.

A Sra. Ethel Rosenthal, que vive na Inglaterra e colabora na revista “Two Worlds”, viajou para América do Sul. Escreveu-nos carta demonstrando seu desejo de entrar em contato com pessoas e organizações espiritistas brasileiras. Infelizmente, verificou-se um mal entendido em questão de datas e de navios e não pudemos estar com ela. É uma senhora de grande cultura e conhece bem a nossa língua. Sua carta à Federação Espirita Brasileira, foi escrita em português. Na revista inglesa, para qual escreve, costuma dar notícia crítica dos livros brasileiros que lê. Há uns dois ou três anos, lamentava que tanto trabalho tivesse sido aplicado na tradução para o inglês, do livro “Mistérios e Realidades deste Mundo e do Outro”, do professor A. Silva Mello.

Nossa colaboração em “Two Worlds”.

Procurando esclarecer melhor, algumas dúvidas sobre a viagem da Sra. Rosenthal, entrei em contato epistolar com o Sr. Maurice Barbanell, o dinâmico diretor de “Two Worlds” e que também é o médium através do qual se manifesta esse luminoso doutrinador que se revela sob o nome de Silver Birch. Aproveitando a oportunidade, remeti a Barbanell um extenso artigo em que discuto, com alguma veemência, o problema da reencarnação, que para nós, não constitui problema algum. Título do trabalho: “The Circle of Chalk”, O Círculo de Giz. Foi aceito e está sendo publicado em “Two Worlds”.


Anuário Espírita - 1965


Hermínio C.Miranda